Há uma velha tradição aqui na Suécia que consiste em deixar velas acesas nas janelas de todos os lugares durante o inverno. Hoje muitas são substituídas por lâmpadas amarelas em luminárias discretas, sinalizando a localização das casas, dos apartamentos, dos estabelecimentos. Em um país que fica sob o domínio da escuridão metade do ano — ok, os meses mais críticos são apenas dezembro e janeiro, reconheço — e onde a iluminação pública é escassa — não por falta de investimento do setor público, mas porque iluminação demais compromete o desenvolvimento da fauna local —, as luzes nas janelas são úteis a quem se desloca por aí. A pé ou a rodas. Com o tempo, aprendi que misturar a luz das lâmpadas com a luz das velas é um fenômeno natural, acontece na intimidade dos lares e no vai e vem de corpos dos espaços públicos, de restaurantes a escritórios. Fui pegando gosto por enfeitar a sala com velas. Depois o quarto. O banheiro, o corredor, a cozinha. Nas embalagens, as informações gráficas são sempre as mesmas: essa vela dura tantas horas acesa, cuidado com as cortinas, não deixe a vela queimando onde há crianças e animais sem supervisão, etc. A minha diversão com a escuridão onipresente acaba por aqui. No início, eu estranhava as pessoas reclamando quando a neve não vinha no inverno. Sim, isso acontece às vezes. Com o tempo, percebi que os invernos sem neve são mais escuros, ficamos dependentes da lanterna do celular e dos caminhos que já percorremos vezes suficientes para não nos perdermos. Contamos com a boa vontade da população com as luzes acesas nas janelas.
Rolar a tela do computador pelas notícias é muito parecido com esse sentimento de caminhar no escuro, entre pessoas que você não conhece, tentando achar passagem por onde o terreno é conhecido, tomando cuidado para não tropeçar em um buraco ou galho atravessado pelo chão. Até que você acostuma a andar no breu e faz as pazes com ele; assim como aprendi com o tempo a navegar apenas por essa ou aquela fonte de notícias no mar de informações da internet. Verificar os fatos sempre que possível. A apuração do jornalismo se espatifou; o público agora também precisa conferir tudo. É exaustivo para todos.
Quando a neve cai, as luzes das janelas se estendem por quilômetros, porque tudo se reflete no tapete branco que cobre tudo. Consigo enxergar pontos distantes na paisagem porque a brancura acompanha o olho pelo caminho até a linha do horizonte. E é fácil andar por lugares onde nunca estive antes. A bota afunda no macio dos flocos de gelo e depois de um tempo podemos caminhar até mesmo sobre a água. A neve é um milagre.
Existir no meio de uma pandemia e no redemoinho de informações desencontradas me faz ansiar por um milagre que ilumine as coisas assim como os suecos ansiam nervosos pela neve que ilumina o caminho. Por enquanto, conto com as luzes nas janelas. As mensagens de quem sinaliza que há vida acontecendo na intimidade de nossos isolamentos são as luzes que velam minha travessia por esse período difícil, mais aterrorizante do que dois meses na completa escuridão. Espero que um dia possamos acordar depois desse inverno interminável para uma primavera tão preciosa como as que eu vejo florescer ano após ano aqui do outro lado do mundo.
Ainda que às vezes o inverno seja tão longo que a própria primavera, que deveria chegar em março, aparece só em maio. E até lá, temos apenas uns aos outros para nos manter acordados pela escuridão.